Marcellus acordou cedo e ligou para Valéria. Ela estava
calma e embora já fosse um pouco tarde para noivos se levantarem,
ele a havia acordado.
Falaram bem pouco no telefone, pois Valéria precisava
se levantar para se dirigir a uma série de compromissos. Coisas
de mulher.
Marcellus então, sem ter nada para fazer, passou
a divagar a respeito da sua união com Valéria. Estava confuso,
sabia que gostava muito dela, mas o que lhe preocupava era o caracter político
no qual havia se transformado a união entre os dois.
Todas as Tradições selariam um acordo de
cooperação durante a festa de seu casamento e ele, junto
com sua futura esposa representariam a Order of Hermes. Ele não
sabia ao certo se seria uma boa idéia todos aqueles homens e mulheres
com todas as suas rivalidades, durante a festa do seu casamento. Mas Marcellus
não tinha nenhuma outra escolha, pois o futuro da casa Hermética
dependia do seu sacrifício pessoal e da sua dedicação.
Deixando estes pensamentos de lado, ele se pôs
a andar até a biblioteca. Rumo ao seu destino, contemplava as paredes
da enorme casa que seu pai construíra.
Marcellus lembrou-se que estava em jejum a mais de quatro
dias e que se não desejasse cair desmaiado durante a cerimônia
de casamento, era melhor providenciar seu desjejum. Porém embora
o bom senso tenha lhe alertado disso, a fome não lhe tentava agora,
decidiu adiar a refeição e ler um pouco, pois isso sempre
lhe acalmava. Então ele sentou-se na mesa de estudos.
Após o terceiro parágrafo de leitura escutou
alguém lhe chamar na porta da biblioteca.
- Marcellus - Era seu irmão, Gaius.
Gaius olhava para Marcellus de uma maneira inquisidora,
aparentava cansado como quem ficou toda a noite sem dormir.
- Prometeu que me diria tudo hoje. Diga-me então,
Marcellus, o que acontece com nosso pai? Começou Gaius em um tom
de voz que só ele teria a ousadia de se dirigir ao mais poderoso
Order of Hermes da América do Sul.
- Precisava ser tão cedo irmão? - disse
Marcellus como se ignorasse o nervosismo de Gaius e fingisse uma falsa
preguiça.
- Passei por todos os círculos de mistério,
provei ser digno e você me disse que se eu merecesse me contaria
a verdade no dia de seu casamento. Agora fale!
Marcellus fechou o livro e ficou brincado de uma maneira
infantil com uma caneta que estava em cima da mesa. Gaius foi até
a porta da biblioteca e a fechou como se dissesse "ninguém ouvirá
o que me disser, irmão". Depois virou para Marcellus esperando a
resposta da sua pergunta.
- Gaius - Marcellus parecia estar tomando cuidado com
as palavras - Se você acha que esta preparado para o que vou lhe
dizer eu digo. Mas antes me fale. Por que quer tanto saber?
- Não se importe com isso, apenas fale.
- Então por que deseja tanto saber? - retrucou
Marcellus.
- Marcellus, honre sua palavra eu juro que se não
me responder eu...
Marcellus ergueu-se irado e respondeu com o grito mais
alto que seus pulmões puderam gerar:
- Meu irmão ou não, jamais deixarei que
alguém me ameace em minha própria casa!
Gaius respondeu com a mesma fúria .
- Então deixarei sua casa logo após ter
cumprido sua palavra de Hermético. Fale!
Os gritos podiam ser ouvidos por toda grande mansão
de Marcellus quando ele respondeu de volta a Gaius:
- Eu quero lhe poupar seu tolo.
- Mas eu nunca lhe pedi isso o que lhe peço é
justamente o contrário.
- Se quer ouvir a verdade, Matheus Doliran, nosso pai,
foi morto por Nephandus e sua alma queimou em seus labiritos por semanas.
Eu ví tudo Gaius...e não pude fazer nada.
O silêncio inundou a sala. Marcellus sabia que
estava sendo cruel com Gaius, mas fora cruel também consigo mesmo,
pois os olhos de ambos só não transbordavam em lágrimas
porque era mais intenso o estranho sentimento de querer se mostrar forte
não importando o que aconteça.
- Gaius... - disse Marcellus baixinho e com voz de choro.
- Não chegue perto de mim. Marcellus, você
não tinha o direito de me esconder algo tão grave. Nós
dois deveriamos ter vingado nosso pai. Mas além de não fazer
nada, me privou desse direito também. Não romperei meus votos
com a Tradição, mas Marcellus, afaste-se de mim. Não
me procure nunca mais.
Gaius foi embora por causa do ódio que sentia
de Marcellus naquele momento, mas principalmente foi embora para não
cair em lágrimas na frente de seu irmão mais velho.
E quem entrasse aquela hora na biblioteca da casa do
poderoso Order of Hermes Marcellus Doliran, poderia vê-lo sentado
no chão de cabeça baixa chorando e dizendo:
- Eu não tive culpa...eu não podia fazer
nada pai... eu era uma criança.