O grito da mulher ecoou
pelo longo salão com aparência de igreja:
- Me diga por que mente pra mim Michel, porque não posso olhar
para seus olhos e ver um traço de verdade em tudo que me fala...
Michel estava logo a frente de Estela e ao escutar isso apenas
deu um sorriso gentil e se aproximou dela lentamente, seu manto negro parecia
a sombra de um ser etéreo enquanto Michel andava e falava:
- Ora querida, dizer a verdade em um lugar destes seria o mesmo
que profana-lo. Estamos no templo das mentiras. - Michel levantou os dois braços
como que mostrando a Estela diversas imagens de santos e uma cruz bem em cima
de um altar ao fundo do salão - Estamos na Abadia. Um local sagrado para mim,
tal como tu descobrira teus próprios lugares junto a tuas irmãs Verbena. Mas elas
mataram o teu filho em sacrifício ao deus, não foi.
- Foi necessário. - retrucou Estela, já com lágrimas nos olhos
- Ele precisava ir para que tudo aja prosseguimento.
- Prosseguimento ao teu sofrimento. E tuas IRMÃS o fizeram. Sacrificaram
o fraco para dar continuidade a tudo. E foi por isso que nos conhecemos. Foi o
Destino, Estela, que nos colocou frente a frente, para que eu pudesse te mostrar
a verdade.
Michel levantou suas mãos e as delicadas e finas velas que estavam
encaixadas em grandes candelabros dourados se acenderam instantaneamente invadindo
o ambiente de diversas sombras como resultado da luz indireta gerada por elas.
- Tu me disseste que não me forçaria a nada Michel... Sabes que
não sou influenciável por promessas de poder... Não quero ser caçada, nem tão
pouco renegada pelas que me criaram e ensinaram tudo o que sei, mesmo sendo elas
cadelas imundas. Mesmo tendo elas matado meu filho... Disse a você que não queria
vir aqui de novo... este lugar me enoja e me faz sentir estranha...
- Garota valente, mas tem medo do escuro ? - Disse Michel num
tom de cinismo quando virou seu rosto em direção a Estela deixando sua boca a
poucos centímetros da dela.
- Não tenho medo de nada que você possa me mostrar Michel.
Após Estela ter dito isso uma leve brisa invadiu a sala trazendo
consigo cheiro de vômito e fezes.
- Tem certeza, mon cher, do que está falando ? Talvez eu
tenha mais truques do que possa imaginar. Acha que já viu coisas demais ? Acha
estar preparada para saber a verdade ? Querida a inocência só se perde uma vez.
Ela é a benção dos ignorantes. E ela precisa terminar.
Estela começou a sentir náuseas e tontura. O ar parecia estar
impestiado com o cheiro que agora invadira a sala. Cada inspiração era uma tortura,
era como se cada vez que precisasse respirar Estela preferisse estar morta.
- Pare com isso. Eu estou ficando tonta...
Michel porém, apenas prosseguiu com seu discurso, só que dessa
vez encorpando o tom de voz como os pastores o fazem:
- Isso Estela sinta a dor, ela dá a você significado a tudo, ela
te liberta...
Estela se contorcia no chão enquanto tentava fazer qualquer coisa:
gritar, chorar ou fazer uma invocação mágica que pudesse liberta-la... mas ela
nada podia fazer ao invés de sentir aquela dor, aquelas ânsias que não resultavam
em vômito ou aquela tontura que não culminava em desmaio que a essas alturas seria
uma benção da Deusa.
Michel começara a bradar, ainda em um tom de voz muito próximo
dos pastores, algo que parecia uma oração em algum estranho dialeto africano e
enquanto falava gotas de suor saiam dos seus ralos cabelos escuros e curtos em
direção ao seu rosto a medida que pequenas partículas de saliva voavam de sua
boca enquanto bradava.
Cada vez mais alto Michel falava... cada vez mais intenso... Estela
já nada conseguia perceber ou fazer... então Michel parou.
As luzes voltaram a ser suaves e o cheiro desapareceu.
Então Estela gritou.
Um grito louco e ensurdecedor.
Michel apenas esticou novamente seus braços e deixou que um belo
sorriso espontâneo invadir seu rosto.
Estela então começou a rir e ambos caíram por minutos em uma sonora
seção de gargalhadas.
- Tu vistes ? - disse Estela - Tu sentiste também ?
- Me diga o que mon cher ? - perguntou Michel ainda com um sorriso
nos lábios
- Sentiste ou não ? Quem a conhece não pergunta o que. - Estela
estava com um sorriso doentio estampado no rosto coberto de suor e com fios rebeldes
de seu cabelo grudados juntos a maçã do seu rosto.
- Quero apenas ouvir de sua boca, querida. - Michel havia se aproximado
dela e estava de pé logo a sua frente. Estela estava com seu queixo apoiado na
mão esquerda de Michel que a estendera para se manter próximo ao pescoço dela.
- A dor Michel, a dor... eu quero mais...
- E porque querida... ? - a voz de Michel insinuava que ele já
sabia a resposta e apenas fazia isso para torturar Estela.
- Porque é bom quando ela se vai Michel. E é impossível sentir
o prazer de sua ida sem sentir o tormento dessa dor. Me dê mais Michel. Me ensine.
A mão de Michel começou a apertar o rosto de Estela e então Michel
a empurrou para longe num ato grosseiro.
- Porque faria isso ? - Disse Michel, de costas para Estela que
estava jogada no chão.
- Porque agora é meu amo e tudo que tenho, pois creio eu já ser
uma renegada. Pois creio eu já pertencer a ti mesmo sem ter feito nenhum trato.
E porque mesmo se pudesse ir agora, não conseguiria viver sabendo que um alívio
tão grande pode existir e que eu esteja privada dele. Já me vejo em meu quarto
tentando me ferir sozinha tentando conseguir um terço da dor que presenciei hoje
sem sucesso.
Michel e virou furioso para ela, lágrimas escorriam do seu rosto...
quando ele disse os berros:
- Acha estar preparada para isso ? Ele praticamente a ameaçava
e Estela sentiu muito medo... sua aura negra parecia encher o ambiente e sua magia
pulsava... - Acha que a garotinha valente com medo do escuro pode enfrentar o
seu destino, mon cher ?
As imagens de santos começaram a chorar sangue e um surdo barulho
de correntes começou, atrás de Michel a grande cruz de madeira estava virando
de ponta cabeça... Estela então tomou coragem e olhou para Michel e com uma voz
decidida disse:
- Ordene meu senhor, peça uma prova... eu farei qualquer coisa.
Os sons pararam e uma leve vibração preenchia a Abadia quando
Michel olhou para o rosto de Estela e com o rosto ainda suado e com uma voz vibrante
disse:
- Me traga a cabeça do Batista em uma bandeja de prata. Ai então
vou crer no que diz, mon cher.